Você conhece a Juçara de Ilhabela?
Ela é o “açaí da Mata Atlântica”, cultivada na Ilha dos Búzios, e conta com apoio de projeto social para se espalhar por toda a Ilhabela
Moradores e turistas que visitaram Ilhabela na última quinta-feira, 15 de maio, puderam desfrutar de uma noite de degustação muito especial na Vila. Promovido em conjunto pela Gelateria Tradizionale e Juçara Maembipe – ação da Associação Elementos da Natureza (AEN) -, o evento teve como objetivo apresentar a polpa dos frutos da juçara, árvore similar à do açaí mas originária da Mata Atlântica, produzida pela comunidade da Ilha dos Búzios, no arquipélago de Ilhabela.
A causa é mais do que nobre, já que incentiva o manejo da árvore, nativa de Ilhabela, e apoia a comunidade local (cerca de 180 moradores) na produção da polpa, que pode ser utilizada para a alimentação na região e também levada comercialmente para toda a Ilhabela. Em um bate-papo com o Portal Ilhabela.com, o Coordenador do projeto Marcus Schmidt, ou “Topé” como é conhecido por aqui, contou como tem sido o trabalho junto à comunidade, e falou sobre os resultados já alcançados.
“O projeto começou em 2012 e no início a ideia era facilitar o entendimento da comunidade da Ilha de Búzios sobre a gestão de seu território, incluindo um plano de manejo para as árvores típicas da região, evitando o desmatamento e extinção de espécies. Não achamos que fosse dar tão certo!”, comemora. Ele conta que, nas primeiras visitas, levaram sementes de juçara para a ilha, e ficaram surpresos ao saber que no local já haviam muitas árvores desse tipo.
A região já era bem ativa na área da agricultura, produzindo a farinha de mandioca, além de outras atividades como o peixe seco e artesanatos, mas com o passar dos anos esse trabalho vem diminuindo, já que os mais jovens não estão dando continuidade à tradição familiar agrícola. “Nosso projeto tenta resgatar essa tradição de agricultura familiar, e está alinhado com a Lei federal nº 11.947/2009, que determina a utilização de no mínimo 30% dos recursos repassados para alimentação escolar para a compra de produtos da agricultura familiar. Ilhabela ainda não atende a essa porcentagem porque não tem como foco a agricultura, mas tem muito potencial para mudar essa situação”, explica Marcus.
Preservação e desafios
A árvore da juçara já era bem conhecida dos moradores da Ilha dos Búzios, mas até então, o objetivo era colher o palmito, e não o fruto. Com o projeto da AEN, eles viram mais uma possibilidade para o cultivo. “Eles sempre demonstraram uma preocupação e cuidado com o manejo, mesmo quando só utilizavam o palmito. O projeto está apenas oferecendo mais uma possibilidade de produto que eles podem aproveitar para a alimentação local. As crianças adoraram a polpa da juçara, e é um produto que poderia facilmente ser servido na merenda escolar, já que atualmente eles estão muito mais habituados ao suco artificial. A juçara é um super alimento rico em ferro, calcio e potássio, ainda mais nutritivo que o açaí – 4 vezes mais antioxidante”, explica o coordenador, reforçando que a ideia é criar essa cultura de aproveitar a polpa da fruta.
O grande desafio da produção em massa para a comercialização é a falta de energia elétrica no local. A ilha possui apenas algumas placas solares, implantadas pelo programa Luz para Todos, do Governo Federal, e elas não foram dimensionadas para alimentar, por exemplo, um freezer. Além disso, a produção para comercialização teria que atender à legislação da ANVISA quanto às normas de higiene. Ainda assim, o projeto chegou a levar uma despolpadeira para mostrar como extrair a polpa da fruta em volumes maiores, e a comunidade ficou muito interessada.
“A comunidade teve uma receptividade muito grande, embora a comunidade já tenha visto muita gente aparecer por lá prometendo mil coisas que nunca são cumpridas. Com a gente foi diferente porque entramos na mata com eles, passamos uma semana lá quando vamos, ninguém criou esse tipo de interação com eles”, conta Marcus. Ele disse que quando ficam muito tempo sem aparecer na ilha, as pessoas ligam perguntando, avisando que a juçara está amadurecendo e está chegando a hora de colher, o que é muito bacana. “É um pouco complicado ir pra lá, tem que ser de barco, às vezes o mar não está bom, não há praias, só costa, é difícil desembarcar. Mas o mais importante é que sem o apoio das comunidades não teríamos feito nada. Sempre organizamos todo o trabalho com eles, entramos juntos na mata, são eles que nos dão segurança sobre qual trilha seguir, está sendo muito positivo”, reconhece.
A juçara tem o benefício de produzir o ano todo, mas o pico de produção para a colheita é de março a maio, quando está quase tudo maduro. E a ideia é começar a fornecer para o trade turístico aqui de Ilhabela, como hotéis, pousadas, restaurantes etc. “Estamos criando um novo conceito de ‘Empreendimento Amigo da Juçara’, afinal, Ilhabela tem muitas áreas naturais, grandes proprietários com área de floresta, e a árvore pode ser plantada dentro da mata. Além de estar salvando uma espécie ameaçada de extinção, ela serve como alimento para 70 tipos de animais, entre outros benefícios do plantio. Se os empreendimentos quiserem plantar em suas propriedades, nós já temos sementes para fornecer e podemos, ainda, oferecer os serviços dos manejadores de Búzios no cultivo e colheita. Seria uma forma de multiplicar a juçara aqui na cidade”, afirma Marcus.
Ele explica que existe uma técnica para plantar, colher e processar. Em Búzios, o projeto já introduziu, por exemplo, equipamentos de rapel para que os manejadores tenham segurança para colher, podendo soltar as mãos no alto das árvores sem o risco de cair.
Números e objetivos do projeto
A ação Juçara Maembipe tem sido realizada desde 2012 em parceria com o Parque Estadual de Ilhabela – PEIB, Coordenadoria de Assistência Técnica Integral – CATI / São Sebastião-SP, Secretaria de Meio Ambiente – SMMA da Prefeitura Municipal e Cambuci Projetos Socioambientais, com apoio financeiro do CEDS – Centro de Experimentação para o Desenvolvimento Sustentável (convênio Petrobras, ReaLNorte e UniSantos). Em 2013, a ONG contou também com o apoio da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura Municipal de Ilhabela. O próximo passo é realizar um inventário florestal na Ilha de Búzios para saber exatamente quantos exemplares da juçara existem na região. Pelo mapeamento inicial das áreas produtivas, estima-se que seja possível produzir de 500kg a 1 tonelada da polpa. Foram 150 árvores marcadas só neste ano, e ainda existem áreas inexploradas para serem levantadas.
Para os interessados em cultivar a juçara para apoiar o projeto, o coordenador afirma que é possível plantar em torno de 600 ou 700 mudas da árvore em cada hectare (10.000 metros quadrados), o que representa uma produção de cerca de 1.800 litros de polpa por hectare. Segundo o coordenador, em Ubatuba, a polpa (produzida por comunidades locais com apoio do IPEMA – Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica) é vendida a 12 reais o quilo.
A Associação Elementos da Natureza conta atualmente com 7 pessoas na equipe, sendo 3 dedicadas ao Juçara Ilhabela. Este ano, a ONG pretende iniciar um módulo educativo com as escolas das comunidades, trabalhando o ensino de disciplinas como geografia e matemática com o uso a juçara. “O currículo escolar é um pouco distante da realidade deles, o que acaba provocando uma evasão escolar muito grande, muitos jovens não terminam os estudos e acabam indo para a pesca, que não está rendendo muitos recursos, ou saindo da ilha por falta de perspectiva”, conta Marcus, mostrando que o projeto vai muito além do manejo da juçara, mas se preocupa com o desenvolvimento da comunidade local. Segundo ele, a parceria com a prefeitura possibilitou a remuneração dos manejadores da juçara, com uma ajuda de custo mensal, além de viabilizar a compra de material de proteção, ferramentas, sal para secar peixes, e melhorias das casas de farinha e da estrutura produtiva local. Mas ainda há muito a ser feito. “Em uma das nossas visitas, fomos questionados por um senhor mais antigo e sábio, que perguntou onde queríamos chegar com esse projeto, e o que melhoraria na vida deles. Aquilo ficou na minha cabeça, e estamos tentando valorizar essas questões, trazer as pessoas mais jovens para esse tipo de trabalho, e tentar remunerar para fazer sentido para eles. É uma forma de dar continuidade a essa cultura”, enfatiza.
Para conhecer melhor o trabalho da AEN, visite o site da AEN Socioambiental e curta a página da Juçara Ilhabela no Facebook.